Estou exausta e entendi o porquê.

Jackeline Dias
3 min readMay 15, 2023

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Um cansaço que, após 10 horas de sono, não passa. Dormindo às 21h30 e acordando às 7h da manhã, sem interrupções ou sonhos que pudessem me fazer acordar repetidas vezes. Todas essas horas parecem não serem suficientes para apaziguar minha mente e descansar meu corpo.

As escolhas amorosas já foram temas de várias sessões de terapia. Os relacionamentos confusos — e escolhas mais confusas ainda - por muitos anos permearam minhas leituras e discussões no sofá da sala da sessão, mas hoje o que parece vir à reflexão é algo mais complexo e, infelizmente, inescapável. Talvez o relacionamento mais abusivo com todos nós, que explora de diferentes formas por gênero, raça e classe: o capitalismo e a premissa da produtividade.

Esses dias, em conversa com um amigo, falava como não mais queria trabalhar no setor privado, no setor público ou em ambientes burocráticos e performáticos. Acabei ressaltando o meu desejo em não trabalhar com atividades relacionada a negócios, porque é engessado, pouco criativo, com corpos sempre voltados à produtividade e ao controle. Parece que toda ação, estudo, leitura, qualquer coisa, será voltada à produção de algo que sustente o sistema (e a nós que, invariavelmente, fazemos parte dele).

Estou fazendo um curso daqueles relacionados aos businesses. Na apostila, encontro a seguinte definição do termo “negócio”: “negócio quer dizer não ócio (do latim negotium = nego+otium), significando ação, ocupação, envolvimento em alguma atividade produtiva” Soares Neto (2009, p. 65).

Negar o ócio me parece a coisa mais absurda dessa sociedade. Compreendo o ócio como extremamente importante para criação, para interiorização e nos depararmos com quem somos, o que queremos da existência etc. O brasileiro e, sobretudo, a brasileira de classe baixa ou que estão próximos à linha da pobreza, não tem direito ao ócio, por exemplo. Isto porque essas pessoas ficam, em média, de três a quatro horas por dia no transporte público, trabalham as 40 ou 44 semanais e o tempo que lhe resta, precisam escolher se descansam ou se trabalham em casa fazendo os serviços domésticos. E, caso você se interesse me perguntar a essas pessoas se elas negariam o ócio, acho que a resposta seria negativa.

O curioso, no entanto, é que também há os brasileiros e as brasileiras que não pertencem a essa realidade social e econômica, pois possuem acesso a direitos básicos sem dificuldade alguma, e negam o ócio. Essas pessoas escolhem não ter tempo para o ócio, porque se põe em mil situações diferentes, atividades, estímulos visuais e sonoros para simplesmente não desfrutarem do ócio e do vazio de estar à deriva e sem fazer nada.

Estou lendo o livro “Sociedade do Cansaço”, ensaio do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han onde ele diz que nós não vivemos mais na sociedade disciplinar, conceito do filósofo francês Michel Foucault, mas na sociedade do desempenho e da positividade. Segundo ele, nós escolhemos deliberadamente ocupar um papel de rendimento máximo do corpo e do tempo, na lógica do “não perder tempo”, desempenhando inúmeras funções e tarefas simultaneamente.

É interessante que me lembro nitidamente como descobri o que era ansiedade, quando estava em um dos apartamentos que dividia com amigos. Enquanto eu dobrava roupa, pensava: vou esquentar a água para o chá, enquanto dobro as roupas e, assim, otimizo o tempo. Com pressa em todos os meus movimentos, como se algo em seguida me puxasse para mais um afazer, parei por um instante e me questionei:

— Nossa, por que você está fazendo isso? Tudo ao mesmo tempo? Não pode primeiro dobrar a roupa, depois esquentar a água para o chá?

Mas, infelizmente não sou um caso isolado e aposto 0,50 centavos (o valor é pela disponibilidade de dinheiro, não de descrédito à aposta) que você também tem o mesmo comportamento.

Penso que, talvez, seja necessário refletirmos e vermos alternativas possíveis para não irmos caminhando deliberadamente em direção à exaustão com nossos comportamentos de “otimização do tempo” e da não vivência do ócio. Meu desejo, na realidade, é terminar esse relacionamento tóxico com o capitalismo, mas acredito que ainda não será possível. Então, estou tentando escolher outros caminhos de trabalho, de formas de sobrevivência, de estilo de vida, que me façam sentido e sejam criativos. Hoje acho que consigo e posso fazer essa escolha.

Vendo os stories de uma amiga, uma frase de um card de algum terapeuta da Gestalt terapia me chamou atenção, por dialogar com essa minha atual reflexão e ser diametralmente — palavra bonita — oposta a definição de negócio: “As coisas verdadeiras se aprendem pelo amor de aprender, pelo amor da verdade, pelo desejo de saber. Não por obrigação de qualificação”.

Poder aprender por amor, diversão, para se tornar um ser humano melhor para a sociedade e, sobretudo, pelo prazer do nada e do ócio.

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Jackeline Dias

Escrevo porque as palavras dão sentido a vida. Sou educadora, amo esportes, cantar e tudo que tem a ver com expressões textuais, em especial, cinema e teatro.