Encontrar-se e o exercício da consciência

Jackeline Dias
3 min readMar 1, 2023

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Em janeiro, havia começado a escrever um texto sobre Nise da Silveira e Maria Rita Kehl, relacionando a história delas, que me inspiraram em determinado momento da vida, com meu processo de fazer análise e estudar temas relacionados a psicologia e psicanálise. Depois de alguns parágrafos, como de costume, deixei o texto “descansar” para quando retornasse, fizesse uma revisão. Dois meses se passaram e percebi que o texto não faz mais sentido, então optei por não publicá-lo.

Um amigo escritor me confessou uma vez que escreveu muitos textos ao longo da sua trajetória que foram descartados. Acredito que se o contexto muda, muitas das coisas que sentimos e falamos também, então tem algum sentido o descarte: é quase que uma ”pequena morte” do que éramos.

Para mim, escrever também tem uma dimensão de entendimento e desabafo. Tenho um grupo no WhatsApp comigo como única integrante, onde escrevo minhas angústias. É uma estratégia que encontrei para lidar com as confusões dos sentimentos e, além disso, organizar o que internamente pode estar caótico e quando colocado para fora de si tudo se encaixa.

Nesse começo de ano, refleti bastante sobre quem eu sou e como quero viver a minha existência, que na minha concepção seria viver o cotidiano de forma genuína, tendo consciência sobre minhas ações. Tem aquela famosa frase do Jung: “Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamá-lo de destino”. E é tão verdade, não é? Ao menos para os que fizeram ou fazem análise a certo tempo, bem sabemos como agíamos no passado embasados em ideias e concepções da vida questionáveis.

Outro ponto que penso é como nós arrumamos uma forma de fugir dos sentimentos classificados como ruins. Se estamos tristes, vamos em busca da alegria, mesmo que ela seja efêmera e não reflita o que e como desejamos viver. Não quero dizer com isso que todos que buscam alegria ou diversão — extremamente importante como escape do sistema — estejam fugindo de algo ou, ainda, que em algum grau essa fuga não seja legítima (às vezes é necessário, inclusive), mas considero importante compreender o porquê das ações em determinado momento.

Por exemplo, moro sozinha e às vezes sinto falta de companhia para conversar e jantar comigo, mas nem sempre tenho essa presença de alguém. Então diante dessa falta, ao invés de apenas me sentir desolada e mal afortunada ou em “tentar resolver” a situação, como se fosse um problema a ser resolvido, penso: ter companhia nesse contexto para mim é importante, então quando encontrá-la, valorize.

Isso é o que chamo de estado de consciência: perceber o que se tem (e o que não tem), sentir o que tiver que sentir e extrair disso aquilo que é importante para si. Posso e às vezes chamo um amigo ou amiga para jantar comigo, mas em caso de impossibilidade, escolho encarar essa frustração e “escutar” o que me diz.

Assim, “escutando” as frustrações, compreendi a importância de saber o que é importante para mim, onde, com quem e em qual contexto me sinto em paz comigo. E paz, para mim, não significa ausência de incômodos, mas sim conseguir escolher genuinamente como quero viver, mesmo que gere algum desconforto inicial.

A psicanálise e a compreensão dos afetos também me ajudaram nesse encontro comigo, porque reduziram os meus julgamentos (nem sempre consigo, confesso) e, nesse exercício, vou tentando construir uma vida consciente sobre quem eu sou e, também, quero ser. Maria Rita Kehl me trouxe muitas análises nesse sentido, que nos meus 15 anos deram um “boom” na minha cabeça. E Nise escancarou a importância dos afetos no nosso desenvolvimento, sejam eles classificados como bons ou ruins.

Peço desculpas aos meus poucos leitores, pois meu primeiro texto do ano, um pouco atrasado, não é um ensaio sobre a vida das duas mulheres que citei no primeiro parágrafo, mas sobre o resultado de encontrá-las.

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Jackeline Dias

Escrevo porque as palavras dão sentido a vida. Sou educadora, amo esportes, cantar e tudo que tem a ver com expressões textuais, em especial, cinema e teatro.