Jackeline Dias
5 min readAug 9, 2024

Como faz isso de se amar?

Imagem de algum sábado de manhã no Minhocão

Eu não gosto de beber muito, amo uma cerveja, mas meu corpo tem rejeitado cada vez mais o álcool e me sinto insegura quando vou a festas, porque receio por me tomarem como chata. Sou carente de afeto, apoio e atenção, porque meus pais não foram muito amorosos, eu e minha irmã também não somos próximas, então sempre espero isso de alguém: de um melhor amigo, de um crush ou de uma paquera da balada. Também tenho inveja de amigas que tem aquelas amizades de infância. Não sei se foram as mudanças frequentes de casa ou de escola, mas sinto profunda falta dessas amizades com pessoas que vão ficando muito diferentes uma das outras, mas há o tempo que aprofundou tanto a relação que é estranho não tê-la em sua vida.

Gosto de ficar em casa o tanto que gosto de sair: saio de casa para querer voltar, fico em casa na medida certa para querer sair e temo por me tomarem como alguém que não tem apreço por “viver”. Sou crítica e extremamente questionadora, características que originaram o apelido “pedrinha” dado pelo meu pai e tatuado no meu braço direito.

Não gosto da minha barriga, costas e seios: muito alta e proeminente, perco peso, mas não perco barriga; muita gordura nas costas, de forma que poderia ser feito mais dois seios se alguém quisesse uma doação; e, os seios, flácidos e caídos. Também tenho medo de engordar, então não costumo exagerar muito na alimentação e se exagero, sinto culpa. Por mais que há mulheres gordas que aceitam seu corpo, lindas externa e internamente, ainda não consigo me libertar e ser livres como elas.

Fui à praia a primeira vez com 23 anos, então sinto insegurança e inveja de quem abre a boca e diz: “eu amo praia!” . Não porque eu não ame, mas porque muitas vezes me senti desconfortável em mostrar meu corpo e andar livremente com despretensão e naturalidade para algo que faz parte da minha vida a apenas 9 anos. Por falar em praia, comecei a usar shorts curto, vestidos, saia na rua também aos 23 anos, após o calor insuportável do verão do Rio de Janeiro. Ademais, também sinto insegurança com pessoas que sempre viajam já que comecei a viajar quando adulta e ainda não ganho tão bem para conseguir viajar com frequência.

Por falar em dinheiro, sou insegura com pessoas que ganham bem, especialmente homens: tenho como princípio ser livre e 100% independente financeiramente de machos, mas minha independência é limitada a São Paulo e ainda não abarca ir a outros estados ou países com tranquilidade. Amo trabalhar com educação, mas odeio o quando é uma profissão desvalorizada e, principalmente, como os educadores são desvalorizados. Odeio amar ser educadora.

Eu não gosto de beber muito, mas quando não bebo consigo correr mais, ir para academia sem grande sofrimento e ter mais disposição no dia seguinte. Sou carente de afeto, apoio e atenção, mas se você for próximo a mim (e merecer), terá afeto, apoio e atenção justamente porque, pela falta, acabei me importando tanto que acabei desenvolvendo essas habilidades. Não tenho amigas de infância — muito menos aquela amiga que hoje está muito diferente, mas que permanece próxima por conta do vínculo do tempo e da história — e apesar de sentir muito, acabei aprendendo a me desprender das pessoas e a ir embora quando a relação já não fazia mais sentido e, também, a estar aberta a conhecer novas pessoas. Foi assim que acabei encontrando pessoas mais coerentes com que eu sou e que se tornaram grandes amigas.

Amo estar em casa, faço bolo, assisto a séries, filmes, escrevo, penso na decoração da casa (mesmo sem poder comprar nada decorativo), cozinho e descanso e, quando vou à rua, aproveito muito porque amo ver pessoas vivendo, observar como e com quem conversam e sem necessariamente interagir com elas. E realmente sou uma “pedrinha”, mas sem dúvida essa característica me fez não tolerar comportamentos questionáveis e, ainda, dar aquela sacudida em amizades que querem ouvir meus conselhos. Muitas vezes ouço que as faço refletir e parece ser algo importante para elas. E é também importante para mim.

A respeito do meu corpo, mesmo não gostando de algumas partes, ando aprendendo a me vestir da forma que eu gosto. Tenho muitas versões meio fashionista: amo camisetas com estampas divertidas e roupas largas na mesma proporção que estou planejando ir a um brechó muito em breve para adquirir um vestido de festa bem bonito e brilhante. Também tenho entendido melhor o que é ser se sentir bonita e há coisas tão pequenas, como: depilar a virilha a laser, ter um biquini que sustente meus seios ao mesmo tempo que me dê mobilidade para andar pela praia, um bonezinho e a simples vontade genuína de se deitar na canga ou na cadeirinha e tomar sol. Outra coisa que fiz recentemente foi treinar de top na academia e, minhas amigas, meu pensamento foi de “para que vir malhar com esse top e esse short curto nesse frio?” para “cadê as minhas amiguinhas de shorts e top?”. Com certeza sororidade passa pela autoestima.

Eu amo praia e pelo parágrafo acima acho que já não me sinto mais tão insegura em falar isso em voz alta, inclusive não vejo a hora de ficar pelo menos quatro dias próxima do mar. E, quanto às viagens, estou emanando energias positivas para ter mais trabalho e conseguir fazê-las sozinha. Além das energias, ando estudando bastante, correndo atrás, porque ser pobre dá trabalho e tentar não ser também.

Por fim, esses dias participei como consultora de um projeto do UNICEF sobre “Primeira Infância Antirracista”. Tratou-se de uma formação sobre letramento racial para assistentes sociais com o especialista em masculinidades e paternidades negras, Luciano Ramos (abaixo o link de um podcast para vocês conhecerem ele) e, quando entrei na sala, eu só não fiquei mais emocionada porque não era eu a professora, mas tenho certeza de que um dia vou ser. Além disso, me falta dinheiro, mas tenho algo muito precioso: tempo. Tento, todos os dias, não me esquecer disso.

O título desse texto é de um vídeo da JoutJout que eu estava ouvindo pela enésima vez sobre como ter o amor-próprio e blá blá blá, mas o ponto é: todas as minhas inseguranças são parte de quem eu sou e elas não vão embora. Algumas até conseguem ser trabalhadas, mas há algumas inseguranças tão profundas que acho realmente estupidez esperar elas serem profundamente compreendidas para, então, eu conseguir aproveitar a vida e ter alguns momentos de felicidade. E, se vista por um ângulo diferente, é interessante perceber que nossas inseguranças também podem ser nossas forças.

Eis então todas as minhas inseguranças — pelo menos as principais — para vocês e que poucas pessoas conhecem integralmente. Escrevê-las me trouxe alívio e paz, como se não precisasse mais me esconder. Entendo que ter amor por si não é gostar integralmente de si, mas gostar de si com todas essas bagunças e, acima de tudo, conseguir viver e experimentar a vida o quanto a gente puder.

*Link do podcast do Luciano Ramos: https://open.spotify.com/episode/70Y4xK4JWs8nNZNcD4lTLi?si=kiMDMQaYQ--UR4WIjUIH4g

Jackeline Dias

Escrevo porque as palavras dão sentido a vida. Sou educadora, amo esportes, cantar e tudo que tem a ver com expressões textuais, em especial, cinema e teatro.