Brasil x Bélgica

Jackeline Dias
2 min readJul 9, 2018

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Era sábado de manhã. 9:00. Nós brasileiros parecíamos ainda estar meio absortos com relação ao resultado das quartas de final. Dois a um. Ansiamos por uma virada. Dia seguinte, desnorteados. A espera da sexta taça. Do sexto prêmio. De algo que pudesse confortar nossas angústias, nosso cotidiano tão combalido pelas horas dedicadas ao outro.

Sr. Vicente usava uma boina, um pouco esverdeada, meio cinza, talvez. Os cabelos bem branquinhos, os óculos arredondados entregavam os anos percorridos. Perdemos, Sr. Vicente, disse a passageira um pouco incerta da vida, confusa e com uma estranha sensação de desorganização. Pois é, mas o futebol não mais nos provoca a paixão de outros campeonatos, de outras copas.

CBF, copa de 1998, Ronaldo (o fenômeno), Ricardo Teixeira, Nike, Neymar, grandes patrocinadores, mercado e esporte. Vinte minutos. Pouco sobre futebol,muito sobre as relações sociais que permeiam o esporte mais amado do país. “Eu assisti a copa de 1994 de joelhos”, disse o Sr. Vicente, como se naquela partida visse uma espécie de santuário a ser cultuado. De religião a ser seguida.

Sr. Vicente falava muito bem, analisou política, esporte e cultura com a propriedade de um acadêmico. “Com o que o senhor trabalhava antes de se tornar motorista do Uber?”. Formado em marketing, com pós graduação em administração e com experiência vasta no mercado corporativo, tornou-se diretor de uma grande empresa. Horas de trabalho. Horas dedicadas ao outro. Ao capital. Trinta anos de: ansiedade, especialização, ansiedade, mestrado, ansiedade, doutorado, até não saber mais para onde “crescer” nessa existência que parece faminta de nós. Três filhos criados. Uma jornalista, outra fotógrafa e um músico.

Contou o Sr. Vicente que a frustração e decepção da família foram grandes quando decidiu cuidar de si, não mais dos outros. Úlcera, depressão, estresse e um corpo cansado. Uma vida dedicada a construção de uma família, a criação de pequenos seres que vem ao mundo e caem nessa existência dura, solitária, às vezes, feliz.

Além de ganhar (a) vida como motorista do Uber, com o filho possui uma empresa e uma banda voltada para eventos, em especial, casamentos. Com a música, ele proporciona instantes de significado à vida de pessoas que almejam conceber afeto. Como ele que construiu seus (três) afetos.

“Hoje meu trabalho me esgota, mas fisicamente. Sou feliz. Ganho pouco menos de vinte por cento do meu salário anterior. Conheço pessoas e histórias diferentes todos os dias. É o que importa, certo? Essa troca que estabelecemos com os outros”.

Como importa, Sr. Vicente.

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Jackeline Dias

Escrevo porque as palavras dão sentido a vida. Sou educadora, amo esportes, cantar e tudo que tem a ver com expressões textuais, em especial, cinema e teatro.